sem dó ou piedade
Tenho pena de quem convive ou já conviveu comigo.
Transformo qualquer evento em história, qualquer pessoa em personagem, qualquer sentimento em texto, manuscrito. Mágoa não me apetece, não consigo escrever sobre dor. O que me move é algo inesperado, uma situação nova, ou mesmo a raiva que sinto - às vezes de mim, às vezes do outro. É transformar essa raiva em palavra. O que me move é observar, de longe, o comportamento de um e de outro, um olhar desconfiado e distante, uma alteração de prosódia; aquilo que não se fala, mas que os gestos teimam em dizer. Assim me sinto ironicamente feliz, tranquila.
Como agora, que estou terminando um conto sobre um ex-futuro-personagem. E já começando outro, sobre a mesma pessoa.
Talvez essa seja a minha forma de expurgar tudo de nocivo que ficou dentro de mim. Talvez esse seja o meu jeito de exorcizar qualquer sentimento-fantasma, bom ou ruim, que possa ter restado. Ou, de repente, esse é o meu modo de ver o mundo; não sei.
(...)
Antes, eu me censurava: "não, não posso escrever sobre fulano!". Hoje, não ligo mais. Já não tenho mais critérios.